Imani: Melancia que nos alimenta e mata nossa sede, como a sacralidade da água e a fé na ancestralidade.

É impossível pensar no verão sem melancia. Aqui onde eu moro, no Rio Grande do Sul é comum termos pequenas bancas de melancieiros em terrenos vazios pela cidade. Os primeiros dias de calor chegam e as bancas de melancia abrem, é batata. Esta marcação tão típica da estação abre a temporada e ela, a Melancia, se faz mais presente nos nossos dias.
Cozinhe sua História. Coma Melancia.
Eu tenho histórias bobas para contar sobre a melancia como o dia que minha cachorra, a Nalla, se assustou com uma melancia na casa da minha avó Nedy. Pensa em um cãozinho apavorado!? Nós quase fizemos xixi nas calças de tanto rir. Outra história, também de um verão, foi quando depois de comer muita melancia meu primo passou mal. Nós estávamos na praia, na beira da praia literalmente e meu primo teve que ir pra casa, menos de cinco minutos depois o jogador de futebol Alexandre Pato apareceu na praia e tiramos fotos, menos o meu primo. Eu disse que eram histórias bobas.
O que importa é que passei anos da minha vida comendo melancia sem saber a origem dela. E sim, ela é Africana, há registros do seu cultivo em Kemet (Egito Antigo) e eu descobri isso de uma forma que não imaginava, através do racismo. Nesse rolar a tela do celular me deparei com um vídeo falando sobre como a Melancia foi usada como uma forma de ridicularizar a comunidade negra nos Estados Unidos.
Esteriórtipo do negro preguiçoso
A figura caricata de personagens negros consumindo melancia, sempre com adjetivos de preguiça, sujeira e má educação. Semelhante ao estereótipo de banana e macacos (comum aqui na América Latina e na Europa), o estereótipo da melancia e negritude norte americana aconteceu porque a fruta foi trazida pelas pessoas negras escravizadas e foram um dos poucos alimentos que podiam cultivar. Com o fim da escravidão e o surgimento da TV e do cinema esse esteriótipo foi amplamente usado. Muitas pessoas negras nos EUA evitam comer melancia em público justamente por isso.
Apesar desta história, quero que a gente se conecte com a Melancia de outra forma. Felizmente no Brasil não temos esse estereótipo, embora o racismo marque e mate nossas vidas de todas as formas. Melancia é água e água é vida, e como diz Luedji Luna na musica “Enquanto Durmo“: “a vida está na água, rapaz”.
Água para mim é fé, e Imani esse princípio que busca na fé na nossa ancestralidade, fé na nossa comunidade. Cheia de água, grande para alimentar uma família, fresca, barata e feito planta rasteira cresce com facilidade.
Receita de Suco de Melancia e Gengibre
Ingredientes:
Melancia a gosto bem gelada
Folhas de hortelã e manjericão
Um pedaço considerável de gengibre
Suco de limão
Se precisar, água bem gelada
Modo de preparo:
No liquidificador bata todos os ingredientes até virar um suco delicioso e com uma cor maravilhosa. As medidas são intuitivas, tenha fé no seu paladar. Eu gosto mais picante e por isso gosto bastante do gengibre e para equilibrar o limão traz um frescor e equilibra o doce da melancia.
Kwanzaa | Celebrando nossas Origens
Esse texto faz parte da série Kwanzaa | Celebrando nossas Origens que é uma adaptação do ebook com o mesmo nome lançado ano passado para os apoiadores do projeto Cozinhe sua História. O livro trouxe a festividade do Kwanza pensando na ancestralidade africana e afro diaspórica e na cultura alimentar que conecta o Brasil ao continente Africano.
Com receitas com arroz, feijão, abacaxi, coco, amendoim, banana, e melancia, mais do que trazer ingredientes e histórias que fazem parte da culinária afro-brasileira e diaspórica quis também trazer um outro caminho possível para celebrarmos esses últimos dias de dezembro, o solstício de verão no hemisfério sul e a ancestralidade africana.
São 7 ingredientes que representam parte da culinária afro-brasileira e passeiam pelas minhas experiências culinárias e descobertas na culinária vegetal e ancestral. São ingredientes do nosso dia a dia, que estão pelo Brasil todo do café da manhã até a janta. Confira todos os textos da série:
UMOJA (26.12) que significa união com a família, com a comunidade e com a raça. Arroz nosso de cada dia
KUJICHAGULIA (27.12) que significa autodeterminação do povo africano. Abacaxi e sua coroa
UJIMA (28.12) trabalho coletivo e responsabilidade. Amendoim
UJAMAA (29.12) economia cooperativa Coco, cocada, água de coco e tudo que ele nos dá
NIA (30.12) propósito. Feijão e sua sustância em nos alimentar
KUUMBA (31.12) Criatividade. Banana e sua versatilidade
IMANI (01.01) Fé na ancestralidade, na comunidade Melancia que mata a nossa sede
Referências do texto:
ÁFRICA. L. O. Saúde Holística Africana
ALENCASTRO. L. F. Viagens culinárias entre a África e a América. Cinco Quatro Um (revista digital) – Folha de São Paulo. Disponível em https://quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/artigos/historia/viagens-culinarias-entre-a-africa-e-a-america
Banana: o fruto da musa paradisiaca – Natália Escouto para Crioula Curadoria
Disponível em http://crioula.net/2021/09/1855/
BEZERRA. R. Comer E Beber Com Maria Firmina Dos Reis: Um Banquete Africano. 2018
BLOG ABAIOMY JURISTAS NEGRAS. “KWANZAA – o final de ano afrodiaspórico panafricano. Disponível em https://www.abayomijuristasnegras.com.br/post/kwanzaa-o-final-de-ano-afrodiasp%C3%B3rico-panafricano
BLOG TÊTE – Á – TÊTE. Kwanzaa – o que celebra? Disponível em https://oempregoeseu.com/2020/12/17/kwanzaa-o-que-celebra/
CANAL AFRO FITNESS. Alimentação Saudável: uma Afroperspectiva. 2021
GRANA PRETA. Mercadoras. Disponível em
https://www.instagram.com/p/CSpn5RpFbeW/?utm_source=ig_web_copy_link
MACEDO. J.R. História da África. Editora Contexto. São Paulo, 2013
MARTINS. P. Ofício da Baiana do Acarajé: Trajetória e Desdobramento de um Plano de Salvaguarda. 2010
Mwamba: o tradicional molho de amendoim e dendê do oeste afrcano – Natália Escouto para Crioula Curadoria Alimentar. Disponível em http://crioula.net/2022/03/mwamba-o-tradicional-molho-de-amendoim-e-dende-do-oeste-africano%ef%bf%bc/
NASCIMENTO. E. L. A Matriz Africana no Mundo. Selo Negro Edições, 2008
NJERI, A. Como celebrar o Kwanzaa. Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vvrWXfmFAm8&list=WL&index=8
PAIVA. M. C. A presença Africana na culinária brasileira: Sabores Africanos no Brasil. 2017
QUERINO, M. A Arte Culinária da Bahia
TRAMMELL, K. A non-black person’s guide to Kwanzaa. Disponível em https://edition.cnn.com/2017/12/26/us/kwanzaa-explainer-trnd/index.html
WRIGTH, A. Your Guide to Kwanzaa Food Traditions. Disponível em https://www.tasteofhome.com/article/kwanzaa-traditions-food-guide/
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