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#diariodesp: Carne de Planta não é Planta, por uma culinária vegetal vegetal 

#diariodesp: Carne de Planta não é Planta, por uma culinária vegetal vegetal 


Exposição Favela-Raiz no Museu das Favelas em São Paulo/SP

É polêmico, mas pra mim carne de planta não é planta. E isso não é sobre seu gosto pessoal, é sobre educação alimentar e a maneira como abordamos a culinária vegetal. Você realmente quer parar de comer carne? Nesse texto #diariodesp conto sobre a minha viagem no início de julho e faço esse textão polêmico (mais uma vez).


Como muitos de vocês devem ter acompanhado pelo instagram (me siga aqui @natiescouto_), no início do mês de julho estive em São Paulo/SP. Bonitinha mas ordinária é assim que eu carinhosamente amo essa cidade. Estive lá para participar da imersão da pós graduação que estou cursando – Comida, Cultura e Infâncias: processos sistêmicos de educação alimentar. Se eu já me sentia educadora alimentar antes, agora mesmo que eu tenho as referências e experiências para falar sobre isso. Antes de ir para a imersão, por dois dias eu pude passear na cidade e ter experiências bem diferentes de culinária vegetal muito saborosas. 

Antes que eu comece a escrever sobre o que eu comi, os lugares que eu fui, deixo muto escurecido aqui que: esse texto não é uma crítica ou avaliação culinária dos lugares que eu visitei. Vou me atentar a descrever o que comi e depois compartilhar minhas ideias sobre a questão da carne de planta e suas implicações na educação alimentar. Leiam o texto sem levar para o lado pessoal, mas obviamente façam suas reflexões de modo individual e coletivo, ok? 

Diário de São Paulo Dia 1 – “comi arroz” 

Minha primeira refeição em SP foi no bairro da Liberdade, eu precisava matar tempo e estava doida pra ver alguns cosméticos nas lojas especializadas. Antes de ir pesquisei opções vegetarianas/veganas no google maps e ele me indicou o  Restaurante Sweet Heart – LAOMAZI, na Rua dos Aflitos. Sentei numa mesinha na rua, praticamente de frente para a Capela dos Aflitos.

Um parenteses bem grande aqui para vocês saberem:  o bairro da LIberdade (Japão/Liberdade) antes da imigração japonesa/chinesa/coreana era um bairro majoritariamente negro e a tal da praça da Liberdade era um local de açoite de negros cativos. Procure saber sobre a Capela dos Aflitos e a história de Chaguinhas, homem preto que foi líder dessa comunidade. O Guia Negro faz visitas guiadas por lá e outros lugares de São Paulo, fica dica. 

Na foto: a vista do meu almoço de frente para a Capela dos Aflitos, escondida no meio de prédios comerciais. 

Prefiro Arroz do que Massa

Voltando ao meu almoço: pedi um arroz frito com tofu, ovos (sim comi ovos, já perdi minha carteirinha vegana faz tempo) e legumes (cenoura, ervilha, cebola, pimentões) e uvas passas 🤩 Eu amo arroz então, comi praticamente ½ kg de arroz frito sem reclamar. Apesar do preço um pouco salgado pensando na simplicidade do prato, estava gostoso. Fiquei pelo meu gosto pessoal, mas perdi de comer uma yakisoba tradicional que tinha opção vegana com bifum (macarrão de arroz) que eu também gosto. 

Yakimeshi (arroz refogado) vegetariano

Pouco depois de me instalar fui para o Museu das Favelas no bairro Campo Elíseos (nota-se que amo o centro da cidade). Por lá não havia comida, porém teve muito crochê, imagens e sons da periferia, post its, e um jardim com muito sol. Fofoquei muito com uma amiga da internet que finalmente conheci ao vivo: Marina e suas Massas, a rainha dos brioches de dendê e os brunchs na Casa Nara no Rio de Janeiro. 

Marina é paulista, mas mora em Niterói/RJ há 10 anos. Ela é da área da comunicação mas seu amor por massas mostra o seu talento. Criadora dos brunchs mais deliciosos da Casa Naara (@casanaara)e tem como marca registrada os pães como brioches de dendê, focaccias e rolinhos de canela e de pesto, todos sem nada de origem animal. A Mari faz fornadas durante a semana por encomenda, participa de feiras como A Junta Local (@ajuntalocal) e também atua como personal Chef. Maravilhosa, né?

Café da tarde: um bom lugar pra comer pães

Assim que saímos do Museu fomos para a padaria artesanal vegana Hera Veggie (@heraveggie), que fica exatamente do lado do Biyou’Z Gastronomia Africana (@biyouzgastronomiaafricana) e na mesma rua do famosinho Pop Vegan Food (@popveganfood) que ainda não provei o rodízio de pizza. O Hera é uma padaria artesanal com fornadas novas todos os dias. Para quem adora um pãozinho, um café quentinho, salgados e doces muito muito apetitosos é a pedida. 

Eu e a Mari pedimos várias coisas para dividir: rolinho de canela (cinnamon roll), enroladinho de cogumelos, um misto quente com queijo e mortadela vegetal (olha a carne de planta aqui rs rs), eu pedi um cappuccino quente (obviamente com leite vegetal) e não lembro a bebida da Mari, mas ela pediu um expresso no final e eu também levei um cookie brownie de chocolate para a viagem. 

Tudo muito, muito, mais muito gostoso! P.S sou a turista que não tira fotos 

Como a padaria é artesanal tudo estava fresquinho e com a massa perfeita, bem fermentada e leve. Nada de pão massudo. O enroladinho de cogumelos e o rolinho de canela foram meus preferidos, o rolinho doce na medida e o enroladinho muito bem temperado (só poderia ter mais recheio 😛).

Porém o que não deu pra terminar (e olha que pra eu recusar comida ou não conseguir comer tudo é raro, hein) foi o misto quente, vulgo torrada aqui no sul. Um pão artesanal, queijo vegetal industrializado e uma mortadela vegetal ultraprocessada, não vou lembrar a marca agora e nem fazer propaganda. Provavelmente havia alguma manteiga ou maionese vegetal mas não deu pra identificar. 

Na primeira mordida meu cérebro e meu paladar deram um nó. Principalmente por conta da textura emborrachada e massuda da mortadela. Parecia que eu estava comendo pão com pão, mesmo como queijo cremoso ali. O sabor que apesar de vários componentes diferentes só tinha um sabor levemente defumado. O cheiro não era ruim, mas também não era bom. Lembrando que não como carne e derivados há quase 11 anos.

Eu como tofu defumado 1 vez ao ano pra matar a vontade, mas eu sempre lembro que não gosto de sabores defumado.

Enfim, eu e a Mari tagarelamos sobre como era muito artificial sabor, textura e o cheiro. Que não lembra nada a mortadela original, talvez só engane a memória e o afeto dos mais apaixonados/apegados à carne. Lembre-se, esse diário não é uma crítica gastronômica, eu só compartilhei até agora como foi meu primeiro dia e o que comi, mostrando mesmo o quanto de comida boa se tem por ai e com muita qualidade. O café no Hera Veggie foi gostosíssimo, e o bom atendimento! Ainda levei um cookie brownie pra casa e dormi muito bem com tanto que comi, nem jantei.


Vamos ao textão polêmico

“E por que carne de planta não é planta, Nati?” Primeiramente, eu reforço o lembrete: esse texto não é um ataque ou culpabilização às pessoas que comem e gostam de produtos vegetais que imitam carne. Esse texto é sobre educação alimentar e como podemos (e devemos) valorizar uma culinária vegetal VEGETAL, sem os artifícios e buscar imitar carnes. 

Gosto de carne mas parei de comer animais

Eu me tornei vegetariana em 2012 e vegana em 2015. Parei de comer carne no início da graduação em gastronomia e ainda hoje as pessoas me perguntam porque parei de comer carne e a resposta é sempre a mesma: porque não quero comer animais, principalmente da forma como a carne é produzida, explorando animais. Eu gosto de carne e de alguma forma continuo gostando, mas escolhi não comer. 

Durante a graduação em gastronomia somos treinados para se tornar cozinheiros a partir das técnicas culinárias francesas, que são a base da alta gastronomia. Todo o currículo é pensado para trabalharmos com a carne como elemento principal e o restante complemento. Isso porque, de forma geral, as culturas culinárias europeias e dos Estados Unidos são extremamente voltadas ao consumo de carne e derivados. 

Por conta disso, nós temos uma extrema dificuldade de pensar em uma culinária vegetal e muitas vezes somos direcionados a buscar a substituição da carne, tanto em nutrientes (taí a loucura por proteína nos últimos anos) quanto no sabor/textura, principalmente direcionado aqueles pessoas que gostam de carne e querem substitutos vegetais.

“Carne de Planta é Ora Pro Nóbis” – eu já escrevi (várias vezes) sobre esse tema e da última vez falei sobre a Panc Ora Pro Nóbis que por muitas vezes é tratada como “carne de pobre” e tem essa associação com a falta de nutrição. Essa conversa fez parte da newsletter que os apoiadores do Cozinhe sua História recebem mensalmente, e tem um capítulo especial aberto para todos no mural. Sobre o Ora Pro Nóbis eu preparei uma geléia com as frutas! Quer ver a receita? Clica qui.

A polêmica é o seguinte:

Quando digo que carne de planta não é planta é porque a grande maioria dos produtos, principalmente os ultraprocessados, que são vendidos como carne de planta, planta based, etc, etc são feitos a partir de proteínas isoladas de grãos como lentilha, grão de bico, ervilha. Ou seja, é proteína isolada junto com aditivos artificiais. 

Afinal das contas, se a ideia é incentivar o consumo de vegetais, ou incentivar uma “alimentação vegetariana/sustentável” , por que transformá-los em “carnes” artificiais? 

Na verdade, a real intenção destes produtos, ou melhor dessa industria, é manter o consumo, na verdade manter a cultura da carne utilizando outra proteína com o propósito de “ser um produto sustentável”, “diminuir a culpa de quem consome carne”. Em tese, o produto cumpre o que promete, mas infelizmente não contribui em nada para a construção de uma alimentação saudável e muito menos para uma educação alimentar indicada pelo Guia Alimentar para População Brasileira.

Inúmeras vezes vejo vídeos de criadores de conteúdo e cozinheiros criando receitas como: “carne louca”, “camarão vegano”, “peixe vegano”, “salsicha vegana” entre outras invenções culinárias. Na prática são preparações obviamente vegetais mas que fazem essa associação a derivados de animais. 

A carne louca nada mais é que casca de banana ou ainda polpa de jaca (que já é conhecida como carne de jaca), peixinho da horta é a planta pulmonária (tem outras receitas absurdas que também chamam de peixe vegano), já vi transformarem berinjela em lula vegana. Enfim, são inúmeras possibilidades e várias formas de pensar essas transformações.

Minha preocupação aqui não é nem semântica ou muito menos sobre técnica culinária, até porque a culinária vegetariana é muito técnica podendo até recriar pratos de origem animal com muito mais qualidade e performance, como por exemplo os “queijos” vegetais maturados. (Recomendo muito os queijos da Expinafru (@expinafru)). E aqui estamos falando de técnicas de fermentação e maturação, ingredientes ricos em gorduras que também se faz presente em vegetais. 

Quando me proponho a re-pensar a educação alimentar vejo aqui um caso que precisa muito ser elucidado e tratado não só como estratégia de educação mas como política pública mesmo.

Casca de Banana refogada é casca de banana, e ser claro, direto e honesto sobre isso faz com que ampliemos nossas habilidades na cozinha, assim como preparar a polpa de coco verde empanada que aprendi com a Carol (@cozinhaeginga).  Pensar na polpa de coco  dessa forma faz com que valorizemos esse ingrediente pelo seu potencial vegetal sem vincular ou mesmo pré definir seu sabor a partir do peixe frito, por exemplo. 

Você já parou para pensar nas receitas vegetarianas que você provou e nunca imaginou que seriam gostosas ou que nunca poderia imaginar que um legume, verdura ou fruta poderia preparar algo assim? 

Entendeu onde quero chegar? Prepararmos pratos vegetarianos (independente da técnica) a partir da sua potencialidade como vegetais e apresentá-los como vegetais que são, é a melhor e mais honesta culinária vegetariana e principalmente valorização da cultura alimentar e ingredientes (nativos ou não). 

“Ah, mas eu gosto de carne e quero continuar comendo “carne de planta!”  Coma! Vai na fé, mas pelo menos saiba o que você está consumindo, tenha noção dos ingredientes que você está comendo. E a responsabilidade é sua. 

Pra desenhar: estrogonofe de grão de bico é um prato que usa as técnicas do strogonoff (creme de leite, molho vermelho) e uma proteína (nesse caso vegetal). Você sabe que está comendo grão de bico, sabe que está consumindo leite vegetal e que é possível fazer essas substituições. Não é carne, é grão de bico. Strogonoff de frango do futuro é uma carne artificial de laboratório que usa proteínas vegetais na sua composição. Ponto final 

Ou seja, quando digo que carne de planta não é planta é sobre isso. Não precisamos associar uma dieta vegetariana como substituta de uma dieta onívora. E novamente, há casos que é possível usar técnicas iguais ou semelhantes para preparar versões vegetais que não substitui ou recriam sabor, textura e cheiro de carne ou derivados. Vegetais continuam sendo vegetais e só mostram a sua versatilidade. 

Por fim, (no meu caso) uma culinária vegetal PRECISA SER VEGETAL! Uma culinária VEGETAL para trabalharmos com soberania e segurança alimentar, aproveitamento integral de alimentos, agrobiodiversidade, criatividade, autonomia, técnica culinária, construção de sabor, construção de paladar.

Coma seus vegetais como eles são, sem disfarçar. 

Deixe seu comentário aqui em baixo! Obrigada por acessar o meu blog!

Nati Escouto – Gastróloga e Pesquisadora Alimentar. Escrevivendo esse blog. Cozinhando minha história!


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