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Cozinhe sua História | Educação Alimentar como ferramenta de cuidado

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Cozinhe sua História | Educação Alimentar como ferramenta de cuidado

Novas (velhas) formas de cuidar através da alimentação. A oficina “Cozinhe sua História: educação alimentar como ferramenta de cuidado” foi uma das atividades que apresentei na Semana de Inovação em Brasília no mês de outubro. Foi um momento de partilha de histórias, memórias, sabores, tecnologias e cuidado. Confira como foi esse banquete! 

Como é bom viajar a trabalho, né? No final do mês de outubro fui à Brasília/DF participar da Semana de Inovação organizada pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). A convite da amiga irmã de inhame, Bruna Crioula (@brunacrioula), pude levar minha trajetória com o Cozinhe sua História para esse evento que teve o tema: “novas formas de cuidar”

Se você chegou até aqui e não sabe porque meu trabalho/projeto se chama Cozinhe sua História clique aqui (e seja um apoiador 😍)

Nessa oficina, banquete, roda de conversa (fiada), partilha de memórias pude levar um pouco da minha experiência e pesquisa sobre temas como memória, identidade, soberania e segurança alimentar, ancestralidade. E claro, o debate sobre como a cultura alimentar é uma grande aliada na construção de uma educação alimentar racializada, se podemos assim dizer. 

Educação Alimentar como ferramenta de cuidado é um tema com muita conexão ao tema da semana – novas formas de cuidar. Podemos pensar na educação alimentar na relação de cuidado e afeto das cozinhas domésticas e também na política de EAN em si, dentro das escolas, por exemplo, e o quanto a todo momento e em qualquer idade precisamos aprender o quanto a alimentação é importante para nossas vidas em vários sentidos. 

Educação Alimentar como ferramenta de cuidado.

Antes de começar preciso que você imagine a gente sentados numa cozinha, com cheiro de café e bolo de aipim. Sobre a mesa, entre o açucareiro e o bule, as fatias de bolo, tem meu caderno de receitas e revistas de culinária. É nesse ambiente que eu imagino essa conversa, pena que não deu para transportar fisicamente os participantes da oficina para esse imaginário. 

A maneira como eu trabalho com educação alimentar perpassa pela minha história de criança curiosa e neta de muitos avós, que habitava nos espaços das cozinhas, despensas, mercadinhos de bairro e feiras como um bichinho capaz de observar e aprender nos detalhes.

Momento de abertura da Oficina compartilhando como eu aprendi a cozinhar.
Momento de abertura da Oficina compartilhando como eu aprendi a cozinhar.

Então, para essa oficina  eu trouxe um caminho onde circulamos sobre nossa relação com a alimentação através de perguntas e da contação de história sobre COMO, COM QUEM e com que IDADE você aprendeu a cozinhar. Gosto de logo de início ouvir os participantes, justamente para pisar com calma e respeito nesses territórios que são as memórias de outras pessoas. 

Nessa partilha, surgiram pontos:  como o gênero impacta nessa relação com o alimento e cuidado, onde a maioria das referências eram mães, avós, tias – desde o romance da presença, até a distância da ausência e da presença sobrecarregada das mulheres na sua luta diária na economia do cuidado.

Homens pretos, empregadas domésticas, mulheres negras e crianças na cozinha

Quando a conversa trouxe raça, classe e etarismo nos aproximamos de um debate mais complexo dentro da interseccionalidade. Alguns comensais compartilharam sobre a presença de homens pretos na cozinha e o aprendizado afetuoso e amoroso desse outro lugar para esses corpos tão marcados pela rigidez e pela imagem violenta. 

O gosto é perceber que enquanto conversamos já estamos fazendo educação alimentar. E nesse embalo falamos sobre as mulheres negras nas cozinhas, que normalmente cozinham para outras famílias que não as suas. E assim, irmãos mais velhos, sobrinhos, tias, avós e vizinhos assumem as cozinhas e a responsabilidade de alimentar famílias racializadas. 

Através dessa contação de histórias percebemos vários pontos e encruzilhadas, cheias de memórias positivas, negativas ou até mesmo indiferentes que construiu e constrói relação com a alimentação e com o cozinhar até os dias de hoje. E de fato, romanticamente ou não, nossa alimentação está em constante mudança, seja pelo intenso consumo de ultraprocessados e a influência das redes sociais no nosso comportamento ou pela insegurança alimentar, já que comer está cada vez mais caro, quem dirá se alimentar de uma maneira saudável.

Momento de apresentação, partilhando sobre o Kindezi, trabalho do professor Dr. Fu Kiau
Momento de apresentação, partilhando sobre o Kindezi, trabalho do professor Dr. Fu Kiau

“Nossa cultura é o nosso sistema imunológico” – Marimba Ani

Não seria Cozinhe sua História se não falasse de ancestralidade negra e afroperspectivas para pensar cuidado e educação alimentar. Quando trago os trabalhos do Dr. Fu Kiau e do nosso grande avô, Nêgo Bispo, para a roda busco repensar as nossas referências de educação e de comunidade.Ambos os autores trazem a tradição oral e a circularidade – valores importantíssimos e atemporais para os povos afro diaspóricos e africanos do continente. Onde os saberes, tradições, valores, cultura e memória são passadas de geração para geração através da palavra. 

Fortalecendo o vínculo entre as crianças e os idosos (anciãos, mais velhos, ndezi, griôs/griots) podemos construir uma nova relação com a alimentação e com a memória, incentivando principalmente o reconhecimento e manutenção das culturas alimentares. Essa prática é importante, e como sugere a estudiosa Marimba Ani, “nossa cultura é nosso sistema imunológico” e assim podemos compreender a complexidade e multidisciplinaridade, multisetorialidade, do Sistema Nacional de Segurança e Soberania Alimentar assim como a Política de Segurança e Soberania alimentar. 

E o resultado? O Guia Alimentar para a População Brasileira, por exemplo. Esse lindão completou 10 anos de existência neste ano. (E está disponível online para download)

E você deve estar pensando: “onde essa conversa sobre educação alimentar e cuidado vai parar?”. Vai parar, ou melhor, vai começar nos cadernos de receitas!

Momento de apresentação, compartilhando sobre a obra "A arte culinária da Bahia" de Manuel Querino.
Momento de apresentação, compartilhando sobre a obra “A arte culinária da Bahia” de Manuel Querino.

 Você pode substituir a Dona Benta pela verdadeira cozinheira, Dona Anastácia!

Cuidado, memória, identidade, ferramenta de educação, no caso era só uma receita (como a nega maluca a.k.a bolo de chocolate), e com toda certeza transformou tua vida assim como a minha. Quando perguntei aos ouvintes se eles tinham cadernos de receitas, alguns tinham cadernos herdados de tias e avós, outros tinham o seu próprio caderno com rascunhos e pitadas de ideias. 

Questionei a audiência se eles tinham o costume de acessar receitas nas redes sociais, se salvaram e se reproduziam em algum momento da vida corrida que temos. A maioria nem se lembra das receitas salvas, e eu  os apresento ou reencontro com os cadernos de receitas e sua importância na construção das culturas culinárias no Brasil e no mundo. 

Com o cuidado de racializar o debate, trouxe a reverência ao autor Manuel Querino e sua obra “A arte culinária da Bahia” e sua importância para história e antropologia da alimentação, sem as marcas do colonialismo dos pesquisadores de sua época (e da atualidade). Se muitas pessoas tem seus cadernos de receitas de família escrito à mão, para muitas outras, é através da palavra e da memória resistente da cultura dos povos tradicionais de matriz africana, das mães, avós, tias, yabassé, assim como pais pretos, e meninos negros. 

Não poderia deixar de falar de Dona Anastácia, que teve sua arte “copiada” pela dona do sítio do pica pau amarelo, Dona Benta. Nessa discussão, ponderamos sobre a importância dos cadernos e das construções das imagens na gastronomia e culinária brasileira e o quanto as culturas alimentares afro-brasileiras e indígenas foram apagadas e renomeadas. 

Alimentação, educação e cuidado

O resumo da ópera, finalmente bem alimentados e nutridos, foi a oportunidade de ouvir histórias e compartilhar experiências, por isso que o Cozinhe sua História é tão importante. Nessa oficina, roda de conversa conseguimos pensar em novas (velhas) formas de cuidar através da alimentação. Seja as merendeiras educadoras preparando a merenda do PNAE, seja os professores e alunos produzindo alimento numa horta ou até mesmo nas aulas de português, literatura, matemática, física e química.. 

Para além das aulas de industrialização nos períodos de geografia, recomendo muito, os professores utilizarem as diretrizes da Lei 10.639 para trabalhar com a história e cultura afro-brasileira e indígena através da alimentação. 

Para pensar alimentação, educação e cuidado, precisamos entender qualquer espaço como uma cozinha escola roça, onde compreender como funcionam os sistemas alimentares e as confluências e biointerações entre as pessoas, culturas alimentares, fauna flora biodiversidade circulam e conversam. 

Sendo proibida de levar os cadernos de receitas da minha mãe e da minha avó, preenchemos a sala cinza com cores, temperos e sabores da memória além da água com açúcar e pimenta nos olhos das histórias doces e tristes que foram contadas.

Participantes da Oficina "Cozinhe sua História: educação alimentar como ferramenta de cuidado" no dia 29.10 na Semana de Inovação organizada pela ENAP.
Participantes da Oficina “Cozinhe sua História: educação alimentar como ferramenta de cuidado” no dia 29.10.24 na Semana de Inovação organizada pela ENAP.

No fim, entre abraços calorosos, choros com saudades de vó, sorrisos de broa de milho, e cara azeda de limão, toda essa contação de história se transformou em receita. Recebi a receita de um quindão, materializando os mil réis de sabores.

Kilombo de Inovação Ancestral

Eu confesso que escrevo muito inspirada na linguagem que Eliane Marques traz no seu premiado livro “Louças de Família”, que comprei na Feira do Livro de Porto Alegre assim que cheguei de Brasília. São essas frestas entre ponto e vírgulas que deixam a escrita mais solta e mais poética. De um jeito que eu adoro. 

Esse texto relato que não era pra ser nada acadêmico, talvez um relato de viagem, descreve mais ou menos bem como foi a oficina. Com certeza voltei de pança cheia, principalmente pelo encontro com os amigos irmãos que encontrei por lá. 

Diego, Luana, Tayná e Bruna marcando presença na oficina.
Diego, Luana, Tayná e Bruna marcando presença na oficina.

Além do público que me ouviu também contei com a presença do Diego Silva (@parentalidade_preta), a Tayná Passos (@dunajeun | @taynapassosoficial), da Luana de Brito (@lua.dbrito) e da Bruna Crioula (@brunacrioula).  A Semana de Inovação foi uma benção por esse encontro maravilhoso e o fortalecimento deste Kilombo. 

Ainda na programação participei da mesa redonda “Futuro no Prato: negritude, sustentabilidade e inovações alimentares” junto das gurias Tayná, Luana e da Renata Sirimcarco (@auera) e esta atividade está disponível no canal do YouTube da Enap. 

Luana, Tayná, Renata e eu antes da mesa "Futuro no Prato"
Luana, Tayná, Renata e eu antes da mesa Futuro no Prato”

Não deixe de assistir a gente, assim como o Diego que, junto da Cristina Centeno (@maespretas), Carine Fortes (@carinnefortes) e do Henrique Restier (@henriquerestier) conversaram sobre “Eu sou criança? reflexões sobre infâncias negras e parentalidade”. A gravação está disponível no youtube também, logo na sequência da nossa fala sobre futuro no prato. 

No mais, me chama pra dar oficina, palestra, congressos, mesas redondas, quadradas, aulas, cursos, qualquer lugar que seja cozinha escola. Estarei lá, partilhando, contanto histórias, cozinhando com pano de prato no ombro. 

Me chame por email: natiescouto@hotmail.com

Eu cobro, viu! É trabalho. 

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