Pular para o conteúdo
Início » Bolo de cacau e café. Estou maluca?

Bolo de cacau e café. Estou maluca?

Bolo de cacau e café. Estou maluca?


Esse é um post para amantes de café e bolo! Quem nunca, num dia com a casa cheia passou café e sobrou? E foi assim que guardei café no congelador! E num dia frio e chuvoso preparei um bolo de cacau e café, lembrando de uma receita antiga e me dei por conta: será que estou maluca? há quem diga que esse bolo foi criado por uma “nega maluca”.

A vida de pesquisadores da cultura alimentar afro-brasileira não é fácil. Entre livros, cartas, artigos e conteúdos por aí, é sempre muito complexo achar respostas para perguntas mais complexas. Ainda hoje, 2024, é difícil achar bons materiais sobre as culinárias afro-brasileiras e principalmente, escritas por pessoas negras. Os livros mais conhecidos e cozinheiros e/ou pesquisadores mais conhecidos são pessoas brancas, homens brancos. E por isso eu estou aqui escrevendo. 

Bem, vamos ao bolo (sem maluquices).

Num final de semana com a casa cheia, acabei me passando na hora de fazer café e acabou sobrando algumas xícaras. Como sobrou muito café decidi congelar e guardar para usar em outro momento, já pensando num bolo de café que fiz alguns anos atrás inspirada em receitas da internet. Preparei o bolo tentando lembrar das quantidades e rezando para que o forno elétrico assasse por igual.

Depois de pronto, no meu ritual de observar a textura, cheiro, e sabor eu lembrei que café e cacau (ou chocolate) fazem parte dos ingredientes do bolo “nega maluca”. Aqui no Rio Grande do Sul nas receitas que passaram pela minha família não é comum utilizarmos café, somente o chocolate em pó (e muitas vezes achocolatado). Porém, sei que em alguns lugares no nordeste é mais usual esta receita com café e cacau.

Hoje em dia, não é mais utilizado comercialmente o nome “nega maluca” por um ser um termo racista e preconceituoso (e capacitista também). Não lembro de haver algum movimento popular pela mudança do nome, mas nas redes sociais circulam vídeos e textos sobre a origem do nome, questionando sua origem e debatando o prencoeito e racismo até memo na culinária. Agora  é mais comum ser chamado de bolo de chocolate (variando a receita) ou bolo afrodescendente até mesmo como uma homenagem e forma de resistência.

Imagina se ela fosse sã?!

Particularmente eu continuo chamando de nega maluca pela memória afetiva. Quando o desejo vem, eu não penso num bolo afrodescendente ou num bolo de chocolate. Vem o desejo de “nega maluca”. Não quero problematizar como você se chama esse bolo na sua casa (deixa seu comentários!), mas é importante ficarmos atentos à esses detalhes. Nem mesmo a gastronomia é neutra. 

É claro que, não é só o nome “nega maluca” que precisa ser deixado de usar na nossa culinária como existem outros doces e preparações que têm nomes pejorativos associados à negritude de forma negativa. Em alguns matérias de jornais e blogs, achei a notícia de que uma marca de Açúcar fez um concurso com seus consumidores para renomear doces como “teta de nega”, “maria mole”, e “pé de moça”.

É fato que a maioria dos doces e pratos da culinária brasileira foram nomeados a partir dos valores do seu tempo/território e dos habitos culturais e valores ancetrais de quam criou o prato. Embora não haja comprovações, esses doces com nomes hoje considerados perojativos foram considerados homenagens na época. O nosso amado “brigadeiro” por exemplo, foi um doce usado na campanha política do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência em 1945.

 A pesquisadora e queridissima irmã, Lourence Alves tem ministrado cursos sobre Racismo na Gastronomia e seu trabalho tem sido essencial para que a hegemonia de uma gastronomia eurocentrada seja quebrada. A jovem Natália de 12 anos atrás, recém chegada na gastronomia não tinha nem ideia que precisava ler com cuidado os antropólogos, historiadores e sociólogos da alimentação. É sabido o hábito da inferiorização da capacidade de pessoas negras, imagina como não iriam fazer isso com as culturas alimentares e ténicas culinárias?! 

Será que estou maluca?

A origem do bolo, até onde consegui pesquisar tem duas versões: uma sobre a troca ou adição de ingredientes (entre o café e o cacau) e a outra, aí sim preconceituosa, sobre a sanidade ou a dificuldade de comunicação entre a mulher negra que preparou o bolo e sua patroa. 

Ambas as histórias ou “lendas” dizem que uma família aristocrata de São Paulo, por volta de 1840 tinha uma mulher africana escravizada que não falava português. Há blogs que dizem que a cozinheira teria trocado ingredientes, acidentalmente colocado o cacau na receita ou também que devido a dificuldade de comunicação ela foi apelidada de “nega maluca” e assim o bolo foi nomeado. 

Como o bolo se popularizou pelo Brasil inteiro? Não tenho ideia, mas com toda a certeza (eu espero) eu acho que ainda seja um dos bolos mais consumidos no nosso dia a dia. Pesquisando bolo nega maluca tive como resultado receitas como o mesmo nome e também como bolo de chocolate. Todos ressaltando a popularidade da receita e o fato de ser um “bolo caseiro”, “bolo de vó”,  e uma receita muito presente nas cozinhas brasileiras. 

A maioria dos textos e blogs, alguns até já desejativados, esquecidos em porões da internet replicam a mesma história sobre a “lenda do bolo “nega maluca”” sem ao menos fazer uma crítica ou um comentário sobre o nome. Percebo que essa história virou uma lenda dentro e fora da internet, porque não há de fato um autor creditado ou algo que prove a narrativa. Fica a reflexão e uma receita que faz parte das nossas memórias. 


Eu ando com dificuldade de preparar bolos sem ingredientes de origem animal. Talvez isso acontece pela minha falta de paciência, muitas vezes, em pesquisar receitas e ser fiel aos processos. Cozinhar é fazer alquimias, então química e física são essenciais durante o preparo de um bolo. E é um processo mágico, com toda a certeza. 

Então, ultimamente estava utilizando ovos em alguns bolos para garantir que eles crescessem com qualidade, já que meu forno anda desregulado e assando de forma desigual. Tudo isso pra dizer que, essa receita é vegana, mas você pode substituir ou adicionar ingredientes de origem animal se for da sua preferência. 


Bolo de cacau e café

Essa receita é uma adaptação da “nega maluca” que minha mãe me ensinou e é uma receita da minha avó. A receita original vai farinha, achocolatado (nescau ou muky), ovos, óleo vegetal, açúcar e água fervente. A água fervendo faz muito diferença na preparação pois assim ajuda na ativação do fermento e deixa o bolo mais fofo. 

Nessa versão 100% vegetal, ao invés de água adicionei o café quente e ainda um pouco de água (que também pode ser substituída por leite vegetal). Eu não fiz cobertura nesse dia, recomendo fazer a tradicional cobertura da “nega maluca”: cacau (ou achocolatado), açúcar, margarina e um pouco de água ou leite vegetal. Misture tudo e  leve ao fogo até ferver e a cobertura tampar as costas da colher. Ela vai ficar brilhante e deixar uma casquinha crocante no bolo, adicione claro, muito granulado. 

Na verdade, eu quero experimentar preparar aquela espuma de café solúvel que volta e meio viraliza pelas redes sociais. Acho que ficaria uma boa combinação como cobertura do bolo. Aliás, nunca testei esse bolo com café solúvel concentrado ou com ele seco na massa, pode ser uma nova tentativa (testaremos!)

Espero que vocês gostem da receita! Degustadores de bolo e amantes de café me digam o que acharam nos comentários!  

Ingredientes:

2 ½ xícaras de Farinha de trigo branca
1 xícara de Açúcar cristal
¾ de xícara de Cacau em pó alcalino
2 xícaras de Café passado (+/- 300ml)
1 xícara de Óleo vegetal
Água ou leite vegetal (quanto baste)
1 colher de sopa de Fermento químico
Pitada de sal

Modo de preparo:

Primeiro, pré aqueça o forno a 180ºC. Assim ele aquece enquanto prepara o bolo. Eu também já deixo a forma/assadeira untada e enfarinhada. 

Separo os ingredientes que vou utilizar e deixo os utensílios à mão. Isso nos ajuda a organizar melhor e não esquecer de nada. Para quem gosta, pode já porcionar os ingredientes (o famoso mise en place). 

Eu começo adicionando os ingredientes secos numa vasilha. Então, adiciono a farinha, açúcar, cacau e a pitada de sal e misturo bem. Eu prefiro deixar o fermento para a última etapa, antes de levar ao forno. Se você preferir pode também passar os ingredientes secos numa peneira, assim não deixa grumos de farinha. 

Em seguida eu adiciono os ingredientes molhados. Coloco o café, o óleo e a água se for necessário. Misturo tudo muito bem, deve ficar uma massa homogênea mas não muito densa. A última etapa é adicionar o fermento químico e misturar com delicadeza, sem a necessidade de bater. 

Distribuo a massa na assadeira e levo ao forno por 40 minutos ou até que o teste do palito saia limpo. Tenha paciência e deixe o bolo esfriar completamente. Esse bolo 100% vegetal fica com uma textura mais densa, ainda assim fofo. O sabor do café não é tão pronunciado e também não é um bolo extremamente doce. Quanto mais forte o café que você utilizar, melhor.


Curadoria Culinária Musical | Faixa Bônus Corinne Bailey Rae

Curadoria Culinária Musical | Faixa Bônus Corinne Bailey Rae

Curadoria Culinária Musical | Faixa Bônus Corinne Bailey Rae Música, poesia e comida boa. É assim qu…

Curadoria Culinária Musical | Faixa Bônus Zudizilla

Curadoria Culinária Musical | Faixa Bônus Zudizilla

Curadoria Culinária Musical | Faixa Zudizilla  Música, poesia e comida boa. É assim que acontece na …

Curadoria Culinária Musical | Luedji Luna

Curadoria Culinária Musical | Luedji Luna

 Curadoria Culinária Musical | Faixa Bônus Luedji Luna Música, poesia e comida boa. É assim que acon…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *